domingo, 19 de fevereiro de 2017

HOMENAGEM AOS QUE FORAM PROFESSORES


ALZIRA DE SÁ PEREIRA
DISCIPLINA E LIBERDADE

Por ACLA


As práticas inovadoras da Professora Alzira de Sá Pereira como produto da cultura urbana refletida no Grupo Escolar Barão de Ceará-Mirim

Cleoneide Maria Maciel da Silveira
A sociedade brasileira, desde o período de colonização, foi palco de uma batalha cultural em que, por meio dela, foi capaz de construir uma identidade cultural própria, configurada por uma acomodação linguística e de costumes variados. O mesmo ocorreu com os escritos que, organizados em versos, contavam histórias verdadeiras ou manipuladas para enaltecer o nome dos poderosos. Tais fatos são decorrência de uma colonização autoritária e se dissemina ao longo da história.
No final do século XIX, no âmbito educacional, a instrução seguia os moldes arcaicos, embora viesse tentando há algumas décadas se estruturar de modo a satisfazer às necessidades da elite. Até que, em meados do século XX, surgem os grupos escolares agregando valores higienistas, da moral e do civismo, repaginando a educação, transformando-a em uma organização composta de estrutura física e curricular modernas.
Esses fatos caracterizam o recorte temporal deste estudo, entre a década de 1930 e 1950 que investigou o caderno de Hinos e Dramas da Professora Alzira de Sá Pereira, utilizado no Grupo Escolar Barão de Ceará-Mirim, buscando explicações para o diálogo existente entre o caráter centralizador/disciplinador dos grupos escolares e as expressões culturais desse período. Para tanto, foi realizada uma pesquisa documental com o intuito de coletar dados que favoreçam o esclarecimento das questões levantadas. 
Diante do contexto histórico apresentado, verifica-se que o Grupo Escolar Barão de Ceará-Mirim torna-se palco de uma miscigenação cultural e caminha em busca do equilíbrio entre a cultura do poder e a cultura da liberdade. Este, dispunha de uma organização curricular que se desenvolvia durante todo o ano por meio de festas cívicas comemorativas, na quais era destinado um hino para ser cantado, além de um drama apresentado a cada ano no Cine Teatro da cidade. 
Os hinos cantados no grupo escolar pretendiam formar uma classe educada, contida e que não esboçasse tantos movimentos, afinal a escola não era o lugar para se movimentar, mas sim para aprender a ler e escrever, principalmente, as lições elaboradas com o intuito de elitizar a população, muito embora, o diálogo, em sala de aula, feito pela professora Alzira, fosse composto do teor político necessário à conscientização da importância da detenção do saber.
Assim, podemos então revelar que a cultura escolar é parte da cultura urbana, pois “cultura urbana seria, por extensão, a expressão de grupos que desenvolvem sua arte nas ruas, nos bairros, em espaços públicos, que são democratizados, criando novas sociabilidades” (SALTO PARA O FUTURO, 2009, p.3)*. Desse modo, apresentamos o perfil de uma professora que se dedicara à disseminação dessa cultura, transpondo os limites do grupo escolar e da própria imposição social atribuída ao gênero feminino.
A professora Alzira de Sá Pereira e sua formação docente
A professora Alzira de Sá Pereira nasceu na cidade Ceará-Mirim, no ano de 1905. Frequentou o Magistério e sua primeira nomeação a levou ao Município de Serra Negra do Norte. Depois foi transferida para a cidade de Campo Grande, hoje Augusto Severo. Somente em 1931, retorna ao Município de Ceará-Mirim para lecionar no grupo Escolar Felippe Camarão, posteriormente Barão de Ceará-Mirim. Em sua cidade natal, também abriu uma escola particular, que funcionava em sua residência, na qual lecionava os conteúdos do ensino primário. Além das matérias ministradas, ensinava também, 
[...] aos sábados e domingos, várias alunas, a arte de bordar, pintar, desenhar, esculpir, fazer flores em tecido”, confeccionar quadros de paisagens em alto-relevo “e ainda encontrava tempo para escrever artigos para uma revista do Rio de Janeiro, usando o pseudônimo “Vênus” (PEREIRA, 2006, p. 8)**. 
Não podemos esquecer o quanto era difícil dominar o intelecto e a habilidade de escrever em período de absoluto preconceito social, em que a mulher era considerada inferior à classe masculina, sem falar da herança patriarcal a que a cidade canavieira estava submetida. Nessa época, algumas poucas que se atreviam desafiar a sociedade e escrever criticamente acerca dos mais variados assuntos - educação, política, religião e artes, por exemplo – necessitava se esconder por trás de pseudônimos. Além da importante contribuição com seu pensamento, a professora Alzira fora admirada por sua dedicação ao ensino, organização e inovação em sua prática docente.
A literatura poética presente nos hinos cantados e dramas apresentados
Além da poética, também é perceptível, nos escritos da professora, uma influência positivista, herdada nas formações obtidas no Curso Normal e nas orientações recebidas do Departamento de Educação do Rio Grande do Norte. Tal influência era demonstrada em seu cotidiano por meio da organização pedagógica.
É notável a caracterização da escola como altamente seletiva e castradora de possibilidades de criação. A ação pedagógica era voltada apenas à repetição. Mesmo assim, a professora Alzira buscava, além dos hinos, a dramaturgia para dinamizar suas aulas, quebrando a monotonia da decoreba dos conteúdos. 
Segundo resultados desta pesquisa documental, escritos da Professora Alzira de Sá Pereira, datados de 1932, dão conta de uma variedade de hinos, um para cada ocasião. Inclusive o hino do Primeiro centenário do ensino Primário no Brasil.*** 
Apesar de os primeiros ensaios contemplando a cultura urbana, que ocorrem mundialmente no final do século XIX, só aparecem no Brasil por volta da década de 1960, percebe-se a intenção da professora Alzira em utilizar o espaço escolar, altamente disciplinador, para transformar os alunos em produtores de cultura urbana por meio de seu grupo de teatro amador.
Cultura urbana e educação
As ações da professora Alzira de Sá Pereira, como fonte de transformação de um espaço castrador em espaço de cultura – são percebidas como estratégias de disseminação da cultura urbana presente em todos os espaços sociais e atesta o quanto, desde a década de 1930, essa cultura caminha lado a lado com os preceitos de educação, dinamização e liberdade de consciência.
* PEREIRA, Evandro de Sá. Meus apontamentos. Ceará-Mirim, RN: Editora New Book, 2006.
** CADERNO DE HINOS ESCOLARES E DRAMATURGIA. Grupo Escolar Felipe Camarão. Arquivo pessoal de Evandro de Sá Pereira. 1932. 
*** SALTO PARA O FUTURO. TV ESCOLA. CULTURA URBANA E EDUCAÇÃO. Brasília, Ano XIX, n. 5, maio 2009. ISSN 1982 – 0283.


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