A originalidade do Rock é observada em todos os seus estilos – nesta série de artigos foram citados os estilos originais de cada década, que deram origem aos diversos subgêneros de rock - que se desenvolveram desde o início do gênero musical, no final dos anos 1940, até a década de 1980. Todos os estilos dessas décadas são crivados de teor crítico sociopolítico e cultural, com maior ou menor efervescência, e desenvolveram importante papel na formação de opinião pública relacionada a momentos da História recente. Porém, o Rock vem sofrendo um enfraquecimento efetivo da sua característica sociopolítica e socioantropológica desde a década de 1990, quando ainda apresentava algum bom conteúdo social, político e cultural. Sendo assim, de lá para cá o Rock vem sendo gradativamente substituído por algo que tem a pretensão de se intitular Rock: um rock vinagre. E, atualmente, parece que só um milagre é capaz de fazer o vinagre se transformar em vinho. Portanto, parece que o Rock está virando artigo de museu da História.
No Brasil e no mundo o rock puro ainda pulsa através das atitudes, do pensamento e até do estereótipo inconvencional de muitas pessoas, pois, podese dizer, a ousadia de ser diferente do comum tem muita relação com o raciocínio crítico que o Rock germinou na sociedade. Isso porque o Rock desde o início impulsionou um modo diferente de lidar com a solidez das convenções e tradições. Sendo assim, o estereótipo dos amantes do Rock normalmente se destaca na sociedade, seja pela barba, cabelo, brincos, tatuagens, roupas, ou pelo comportamento, pois é uma maneira de afirmar, com civilidade, sua transgressão à retilinearidade dos padrões sócio-político-culturais, e assim dizer à sociedade que eles pensam com a própria cabeça.
Em Ceará-Mirim, no dia do Tributo a Raul Seixas, a cidade tem uma amostra da essência do Rock e percebe a civilidade daquelas pessoas nada convencionais. Naquele dia de agosto, há mais de 30 anos, Ceará-Mirim é invadida por várias tribos de roqueiros vindos de várias cidades do Rio Grande do Norte e de outros Estados, de maneira que a cor preta das roupas se torna predominante nas ruas da cidade. Os bandos de motoqueiros que entram na cidade são um show à parte.
A cidade fica observando as atitudes, as roupas, os cabelos, as barbas, as tatuagens, os brincos/piercings e as preferências por locais arborizados, como as praças da Igreja Matriz e da Câmara Municipal, ou calçadas, onde aquelas pessoas gostam de se sentar para conversar, beber e fumar. Sem falar na viagem de trem, que vem de Natal lotado de rockeiros curtindo o início da aventura daquele dia - uma referência à música “O Trem das Sete” - e na prévia do evento que é feita no Mercado Público de Ceará-Mirim, onde eles saboreiam as iguarias da cidade, conversam, bebem e fumam, curtindo a apresentação de bandas naquele lugar que tem muito a ver com o estilo Rock e Baião de Raul Seixas.
É um dia de aventura e êxtase para os amantes do Rock, uma espécie de Festival de Woodstock no Brasil, onde é possível experimentar o escapismo de um dia de “Sociedade Alternativa”, em que a única regra é ser um “Maluco Beleza”. Porém, vale ressaltar que, além da diversão, o Tributo a Raul Seixas movimenta a economia da cidade de Ceará-Mirim, de maneira que as hospedarias e os bares lotam, as lojas de roupas vendem todo o estoque de peças pretas e o Mercado Público “escurece” de tantos roqueiros que o superlotam no dia do evento. Mas, o que mais chama a atenção da cidade é a relativa placidez daquele povo nada convencional, que sempre surpreende pela educação e civilidade.
A ideia de fazer um tributo a Raul Seixas surgiu no ano seguinte a morte de Raul. Ocorreu num dia de sábado, na casa do pai de Erivan Lima, onde estavam Erivan, Eliel Silva e Giancarlo Vieira bebendo e batendo um papo. Naquela ocasião, Eliel sugeriu a Erivan que ele fizesse um tributo a Raul Seixas e apresentasse sua coleção de peças sobre Raul, que ele vinha juntando desde 1981. Erinho de imediato não achou que daria certo, por receio de Ceará-Mirim não acatar a ideia. Porém, em 18 de agosto de 1990, Erivan Lima, Eliel Silva, Giancarlo Vieira e João Palhano fizeram o 1° Tributo a Raul Seixas, intitulado de “Maluquez Revisitada”, no Centro Esportivo e Cultural. E, apesar do receio de Erinho, o evento surpreendeu com cerca de 300 pessoas.
Os primeiros Tributos, então, eram feitos no Centro Esportivo e Cultural e abertos ao público, com o equipamento de som alugado a Luiz, de Forró do Povo. Os eventos eram feitos com apenas um grupo de músicos amigos que animavam a galera tocando exclusivamente músicas de Raul. Tudo era bem simples e mais parecido com uma brincadeira entre amigos. Vale lembrar que entre os músicos e vocalistas dos primeiros Tributos a Raul Seixas em CearáMirim, estão Eliel Silva, Ionaldo de Oliveira, Giancarlo Vieira, Mércio Lemos, Ruy Lima, Luciano Oxó, Vitoriano Roberto, Marcos Soares e os filhos do escultor Etevaldo, Manoel e Naldo. Por sua vez, Erinho, devido a sua timidez, não cantou nos 6 primeiros Tributos, passando a fazê-lo somente a partir do sétimo. Desde então, ele passou a ser popularmente conhecido como Erivan Seixas.
Sendo assim, desde 1990, todos os anos, em agosto, mês da morte de Raul Seixas, acontecia no Centro Esportivo e Cultural de Ceará-Mirim o festival Maluquez Revisitada, mais conhecido como Tributo a Raul Seixas, onde Erivan Lima faz a exposição da sua coleção de itens sobre Raul Seixas, com a finalidade de celebrar e divulgar a obra do músico baiano. Porém, o evento foi aumentando a cada ano, com participação de várias bandas de rock e um público cada vez maior, de maneira que, a partir de 2012, passou a ser realizado no largo da Estação Cultural da cidade.
O evento, que é denominado oficialmente de Maluquez Revisitada, ganhou o reconhecimento da Câmara Municipal de Ceará-Mirim em 2012, através do Decreto Lei n° 013/2012, que determina o acontecimento do Tributo sempre no terceiro sábado do mês de agosto.
Em agosto de 2022, a Câmara Municipal de Ceará-Mirim aprovou o Projeto de Lei n° 32/2022 que declara o Tributo a Raul Seixas como Patrimônio Cultural Material/Imaterial do Município de Ceará-Mirim, considerando que o evento é de grande relevância para o Município e para o Estado do Rio Grande do Norte.
Portanto, Ceará-Mirim continuará gritando aos quatro cantos do Rio Grande do Norte e do Brasil:
- Toca Raul!
Nenhum comentário:
Postar um comentário