quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

E se ‘De Volta para o Futuro’ fosse filmado hoje?


Marty McFly era um cara legal. Em 1985, aos 20 anos, era um ótimo tocador de guitarra – sua performance no palco solando em Johnny be Good não deixava a desejar –, adorava andar de skate e tinha uma namorada por quem era apaixonado. Sonhava, como boa parte dos jovens de sua geração, com um carrão imponente – uma pick-up preta, no seu caso. Para o futuro, seus desejos não eram muito diferentes da média. Aliás, quando Emmet Brown, seu amigo cientista, inventou uma máquina do tempo e o levou para o futuro, suas perguntas, na ordem, foram: 
No futuro eu fico rico?
Trabalho em uma grande empresa?
Eu me casei com Jennifer (sua namorada do colegial)?
Virei um astro de rock?
Quando viaja 30 anos a frente de seu tempo e aterrissa em 2017, o Marty de 20 anos visita a casa em que morará aos 50, ao lado da esposa Jennifer (sim, ele se casou com ela). Marty é rico e possui um emprego em uma grande empresa, como sonha enquanto é jovem. Mas põe tudo a perder quando seu colega Needles o convence a fazer uma operação financeira que supostamente resolveria todos os seus problemas com dinheiro, mas era ilegal. Marty reluta em aceitar, mas Neddles apela para o ponto fraco de Marty e o chama de “franguinho”. Marty se altera. “Ninguém me chama de ‘franguinho’”, diz ele ao inserir seu cartão de crédito em uma máquina para autorizar a tal operação. Só que a ligação estava sendo interceptada por Fujitsu, seu chefe, que imediatamente o demite. Desesperado e desolado, Marty pega sua guitarra, que ao longo da vida foi deixando para o segundo plano, e toca para tentar esquecer seus problemas. Perder um grande emprego de anos em uma grande empresa, para ele, era o fim.
Essa é uma cena do filme De Volta para o Futuro II, lançado em 1989. Estamos praticamente no ano que ele visita no futuro, o que me faz pensar: como seria o futuro projetado a partir de agora, se a trilogia De Volta para o Futuro fosse filmada hoje? Qual é o sonho que os jovens de hoje querem ver materializado daqui 30 anos?
Bem, para começar, dificilmente a primeira pergunta de Marty em um fictício futuro de 2043 seria “sou rico”? De acordo com a pesquisa O Sonho Brasileiro realizada pela agência Box 1824, apenas 9% dos jovens entre 18 e 24 anos aspiram por muito dinheiro no futuro. A grande maioria (55%) quer uma boa formação e um emprego bacana, sendo que metade deles deseja especificamente exercer a profissão dos seus sonhos. Nessa lógica, talvez a primeira pergunta de Marty fosse “eu virei músico?”. Dificilmente ele pensaria em virar um “astro de rock” porque astros de rock não existem mais. “Caminhamos para não termos mais um ‘grande astro’ de rock ou de qualquer outra coisa, mas uma multidão de pessoas fazendo coisas geniais em diversas áreas”, me disse a futuróloga Lala Deheinzelin. Ainda de acordo com a pesquisa da Box, apenas 3% dos jovens sonham com bens de consumo específicos, como carros e motos. Dificilmente o Marty de hoje seria tão obcecado pela pick-up preta.
O fotógrafo Pio Figueiroa definiu bem: “para os nossos avós, estabilidade era ter um emprego, quiçá como funcionário público; para os nossos pais, estabilidade era ter dinheiro no banco; para nós, estabilidade é ter uma boa rede”. Uma rede de contatos profissionais, amigos, mestres, ídolos, fãs, com a maior variação de idades, interesses e disciplinas possível. Carro, emprego, casa própria e salário fixo não são mais sinônimos de estabilidade.
Com isso, os modelos atuais de educação e trabalho começam a entrar em cheque. Estamos cansados de saber que as salas de aula com enorme hierarquia entre professor e aluno não funcionam mais. Pior: há diversos casos de crianças e pré-adolescentes diagnosticados com transtornos psíquicos, como distúrbios de déficit de atenção, que são medicados com substâncias fortíssimas porque precisam “ficar quietinhos e prestar atenção”. As lógicas de trabalho são igualmente nocivas e contraproducentes. Comprar 8 horas diárias de trabalhadores é pouco vantajoso para o patrão e pouquíssimo vantajoso para o empregado – se você é um empresário ou funcionário de uma grande empresa, sabe exatamente do que estou falando. Aliás, nem é mais só uma questão de eficiência, mas de saúde também. Nos últimos três anos, o INSS gastou mais com afastamentos por doenças de trabalho do que com aposentadoria.
A raiz para entender os problemas dos atuais sistemas de trabalho e educação, para Lala Deheinzelin, está no fato de eles abafarem as diferenças para uniformizar as trajetórias das pessoas. “A própria natureza nos mostra que é nas diferenças que o fluxo acontece”, diz Lala. Por exemplo, para que haja um fluxo elétrico, é preciso uma diferença de polaridade. Para que haja um fluxo de ideias, soluções criativas, novas possibilidades de vida, trabalho, educação e cidades mais interessantes e agradáveis de se viver, PRECISAMOS das diferenças.
De Volta para o Futuro é um belo exemplo dessa lógica “uniformizadora”. Os sonhos do jovem Marty na década de 80 nada tinham a ver com os seus potenciais individuais, poderiam ser sonhados por qualquer outra pessoa porque seguiam um padrão. Hoje vemos como sua projeção de futuro é obsoleta. Mas há uma lição do filme que se mantém atual: se aprendêssemos com os erros do passado, certamente nosso futuro seria melhor.

Texto inspirado em conversas com Natalia Viana, Lala Deheinzelin, Camila Haddad, Pio Figueiroa, Juliana Russo, Evelyn Araripe e Rodrigo Bandeira de Luna, pessoas que inventaram seus próprios empregos. 


Foto: divulgação

Nenhum comentário: