Marty McFly era um cara legal. Em 1985, aos 20
anos, era um ótimo tocador de guitarra – sua performance no palco solando em Johnny be Good não deixava a desejar –, adorava
andar de skate e tinha uma namorada por quem era apaixonado. Sonhava, como boa
parte dos jovens de sua geração, com um carrão imponente – uma pick-up preta,
no seu caso. Para o futuro, seus desejos não eram muito diferentes da média.
Aliás, quando Emmet Brown, seu amigo cientista, inventou uma máquina do tempo e
o levou para o futuro, suas perguntas, na ordem, foram:
No futuro eu fico rico?
Trabalho em uma grande empresa?
Eu me casei com Jennifer (sua namorada do
colegial)?
Virei um astro de rock?
Quando viaja 30 anos a frente de seu tempo e
aterrissa em 2017, o Marty de 20 anos visita a casa em que morará aos 50, ao
lado da esposa Jennifer (sim, ele se casou com ela). Marty é rico e possui um
emprego em uma grande empresa, como sonha enquanto é jovem. Mas põe tudo a
perder quando seu colega Needles o convence a fazer uma operação financeira que
supostamente resolveria todos os seus problemas com dinheiro, mas era ilegal.
Marty reluta em aceitar, mas Neddles apela para o ponto fraco de Marty e o
chama de “franguinho”. Marty se altera. “Ninguém me chama de ‘franguinho’”, diz
ele ao inserir seu cartão de crédito em uma máquina para autorizar a tal
operação. Só que a ligação estava sendo interceptada por Fujitsu, seu chefe,
que imediatamente o demite. Desesperado e desolado, Marty pega sua guitarra,
que ao longo da vida foi deixando para o segundo plano, e toca para tentar
esquecer seus problemas. Perder um grande emprego de anos em uma grande
empresa, para ele, era o fim.
Essa é uma cena do filme De Volta para o Futuro II, lançado em 1989. Estamos
praticamente no ano que ele visita no futuro, o que me faz pensar: como seria o
futuro projetado a partir de agora, se a trilogia De Volta para o Futuro fosse
filmada hoje? Qual é o sonho que os jovens de hoje querem ver materializado
daqui 30 anos?
Bem, para começar, dificilmente a primeira pergunta
de Marty em um fictício futuro de 2043 seria “sou rico”? De acordo com a
pesquisa O Sonho Brasileiro realizada pela agência Box 1824,
apenas 9% dos jovens entre 18 e 24 anos aspiram por muito dinheiro no futuro. A
grande maioria (55%) quer uma boa formação e um emprego bacana, sendo que
metade deles deseja especificamente exercer a profissão dos seus sonhos. Nessa
lógica, talvez a primeira pergunta de Marty fosse “eu virei músico?”.
Dificilmente ele pensaria em virar um “astro de rock” porque astros de rock não
existem mais. “Caminhamos para não termos mais um ‘grande astro’ de rock ou de
qualquer outra coisa, mas uma multidão de pessoas fazendo coisas geniais em
diversas áreas”, me disse a futuróloga Lala Deheinzelin. Ainda de acordo com a
pesquisa da Box, apenas 3% dos jovens sonham com bens de consumo específicos,
como carros e motos. Dificilmente o Marty de hoje seria tão obcecado pela
pick-up preta.
O fotógrafo Pio Figueiroa definiu bem: “para os
nossos avós, estabilidade era ter um emprego, quiçá como funcionário público;
para os nossos pais, estabilidade era ter dinheiro no banco; para nós,
estabilidade é ter uma boa rede”. Uma rede de contatos profissionais, amigos,
mestres, ídolos, fãs, com a maior variação de idades, interesses e disciplinas
possível. Carro, emprego, casa própria e salário fixo não são mais sinônimos de
estabilidade.
Com isso, os modelos atuais de educação e trabalho
começam a entrar em cheque. Estamos cansados de saber que as salas de aula com
enorme hierarquia entre professor e aluno não funcionam mais. Pior: há diversos
casos de crianças e pré-adolescentes diagnosticados com transtornos psíquicos,
como distúrbios de déficit de atenção, que são medicados com substâncias
fortíssimas porque precisam “ficar quietinhos e prestar atenção”. As lógicas de
trabalho são igualmente nocivas e contraproducentes. Comprar 8 horas diárias de
trabalhadores é pouco vantajoso para o patrão e pouquíssimo vantajoso para o
empregado – se você é um empresário ou funcionário de uma grande empresa, sabe
exatamente do que estou falando. Aliás, nem é mais só uma questão de
eficiência, mas de saúde também. Nos últimos três anos, o INSS
gastou mais com afastamentos por doenças de trabalho do que com aposentadoria.
A raiz para entender os problemas dos atuais
sistemas de trabalho e educação, para Lala Deheinzelin, está no fato de eles
abafarem as diferenças para uniformizar as trajetórias das pessoas. “A própria
natureza nos mostra que é nas diferenças que o fluxo acontece”, diz Lala. Por
exemplo, para que haja um fluxo elétrico, é preciso uma diferença de
polaridade. Para que haja um fluxo de ideias, soluções criativas, novas
possibilidades de vida, trabalho, educação e cidades mais interessantes e
agradáveis de se viver, PRECISAMOS das diferenças.
De Volta para o Futuro é um belo exemplo dessa
lógica “uniformizadora”. Os sonhos do jovem Marty na década de 80 nada tinham a
ver com os seus potenciais individuais, poderiam ser sonhados por qualquer
outra pessoa porque seguiam um padrão. Hoje vemos como sua projeção de futuro é
obsoleta. Mas há uma lição do filme que se mantém atual: se aprendêssemos com
os erros do passado, certamente nosso futuro seria melhor.
Texto inspirado em conversas com
Natalia Viana, Lala Deheinzelin, Camila Haddad, Pio Figueiroa, Juliana Russo,
Evelyn Araripe e Rodrigo Bandeira de Luna, pessoas que inventaram seus próprios
empregos.
Foto: divulgação
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