sábado, 4 de julho de 2015

Merecido registro...

 Considerações finais – Rubens Lemos

É, acabou. Poderia tamborilar sobre o primeiro jogo da final do campeonato, mas que sentido haveria, se não terá coluna quando o campeão espocar suas garrafas de champanhe, abrir suas cachaças, lavar peritônios com cerveja? Não teria razão de ser e o mundo hoje é impiedoso para quem desafia a crueza das verdades dolorosas. Não haverá mais o aqui.
O papel é um valoroso confidente. No presente do tempo e pelas memórias sagradas de uma vida. A caligrafia torta das imitações de edição de jornal de verdade foram guardadas por uma grande amiga da família, Amariles Furtado, ex-chefe do setor financeiro da Tribuna do Norte.
Sozinho, desenhava manchetes, criava fotografias e falava, baixinho, feito gazeteiro-mirim, as notícias que rascunhava em caneta Bic numa casa simples da Cidade Alta, onde morei nos idos de 1976.
Tinha seis anos e, antes de ir à escola, gostava de ler, de tocar nas folhas em impressão de chumbo e de me ver – curioso e maravilhado, na redação, máquinas de escrever metralhando, junto ao meu pai e seu dedilhar acompanhando a genialidade do raciocínio.
É insuportável qualquer despedida. Há quem finja frieza. Outros são autênticos insensíveis. Eu detesto. Sou humano e convencional, de especial nada tenho. Ir para voltar se admite. Partir para nunca mais é lembrança que sangra.
Tantas vezes tive de sair para longe de Natal por razões que não compreendia, criança, largando amigos, meu time de coração, minha avó e protestava desabafando ao silencioso companheiro de papel, ouvinte, compreensivo e sem nada a fazer.
Nos exílios forçados e traumáticos, escrevia compulsivamente. Cartas, bilhetes, postais sem atração alguma eram enviados e a esperança de cada tarde monótona e triste era o carteiro com alguma esperança de retorno, de alguém com notícias da terra, da rua, da escola, do futebol. E a esperança vinha em papel lido, relido e colecionado.
Sem nada a fazer. O Jornal de Hoje tomou um gesto de profunda coragem rasgando sua própria carne ao encerrar suas atividades impressas. Evitou o mal maior de apelar ao devaneio, de se iludir e atingir seus trabalhadores.
Liguei para Marcos Aurélio há dois dias e agradeci profundamente sua compreensão e o espaço que ele me abriu em 2010, logo após um longo período fora de jornal. Me ofereceu uma coluna. Uma causa, uma razão. Pouco antes da Copa do Mundo. Ele e o seu filho, Marcelo.
Pai e filho demonstraram entusiasmo e confiança na minha capacidade profissional, sacrificada por quase uma década de assessoria de imprensa em Governo do Estado, algo que desgasta, consome e não traz a recompensa espontânea da gratidão. Expõe o sujeito, consome o seu suco existencial e o transforma em mero objeto. Descartável.
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Na manhã do convite, me senti valorizado outra vez e me dediquei a Passe Livre com paixão, o que faço em qualquer desafio a que sou convocado. Fui tirando a poeira do peito e recomeçando, pegando ritmo, interagindo, buscando melhorar, conversando com as pessoas, tentando consolidar um estilo que é a natureza do profissional.
Quase cinco anos e tantas histórias. Contar histórias. Colar palavras, captar sentimentos, esquecer o banal, fazem parte do meu mantra na missão em que a necessidade de saber o básico do idioma está sendo jogada no lixo.
O jornalismo impresso foi atacado em emboscada pela internet. Enquanto a geração do meu pai e até mesmo a minha mantiverem seu último representante, ele estará sobrevivendo, desde que reinventado, mais analítico, opinativo, investigativo, desdobrando, com profundidade, aquilo que o mercado persa das redes sociais joga ao consumidor não poucas vezes sem a obrigação da responsabilidade. A honra alheia não justifica audiência alguma.
Mantenho 99% do que escrevi no O Jornal de Hoje, em lugar seguro. Preservado. Agora, como tesouro ainda mais inviolável e inegociável. Vou lembrar de cada tema, de cada história, do pano de fundo do futebol e do olhar de um velho de espírito sobre o cotidiano mutante e injusto.
ABC, América, Alberi, Danilo Menezes, Marinho Apolônio, Souza, Moura, Sérgio Alves, Dedé de Dora, Odilon, Didi Duarte, tantos craques locais, Marinho Chagas, o maior deles todos e sua morte rodriguiana, o batimento cardíaco do torcedor, seu gemido na dor, seu berro alucinado na glória, ficam para o tempo administrar. Zico, Geovani, Romário, Sócrates, Falcão, Rivelino, Ademir da Guia. Pelé, Messi. Pude reverenciá-los porque o papel foi impresso e alguém leu.
Aqui, pude defender – sem censuras ou interferências – meu querido Castelão (Machadão), saudade eterna violentada pela força da grana que destrói coisas belas. A Copa do Mundo em Natal foi um tento. Sem o Castelão (Machadão),um lamento disfarçado de epopeia bancada com dinheiro público.
Agradeço a todos os companheiros. Que sempre me trataram com imenso e intenso respeito. Com Marcos Aurélio abrindo o time, agradeço a Sylvinha, a Marcelo, a Dona Carminha (a eletricidade exemplar), a Alex, a Roberto Canuto e a Fabinho, a Túlio Lemos jamais ausente.
Um jornal, ao chegar ao fim, é a dor de cada um dos seus operários. Do pensador ao operador. Do formulador ao executivo, do editor ao fotógrafo, do motorista ao repórter. Aguda e maior é a saudado do leitor. O certo é que posso dizer com orgulho a meus filhos e ao primeiro neto, na hora em que chegar Deus sabe quando: um dia, escrevi no O Jornal de Hoje. E é vida que segue.
  1. Passe Livre será levada para meu blog pessoal em fase de reativação, mas que estará disponível, aos trancos, barrancos e garranchos digitais no endereço eletrônico: www.rubenslemos.com.br Abraço a cada um. Que me tenha dado a honra da leitura de Passe Livre.

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